quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O VELHIM.




(Foto meramente ilustrativa)



Ontem, fui premiado com uma Murphética (da lei de Murphy) soma de fatores: greve dos bancários e a mensagem na tela da máquina de auto-atendimento: "renovar senha". 
Ok, pensei. ToFu. Só vou sacar meu benefício daqui a uns, sei lá, 590 dias.
Esperançoso, lá fui eu aos Correios, ver se, quem sabe, conseguiria revalidar a senha.

Cheguei cedo, eram umas 8:20, a agência abriria dali a dez minutos. Fiquei olhando aquele pessoal na fila, em sua maioria gente muito simples, aposentados que chegam no primeiro ônibus vindo da roça, pra tirar o seu dinheirinho e pagar as suas continhas. Gente que, deu pra notar, ainda usa a oportunidade pra se encontrar, sabe-se lá há quantos anos, colocar a conversa em dia, ou "assuntar" como eles mesmo dizem.

Agência aberta e, mesmo sendo um dos primeiros a chegar, resolvi aguardar.
Deixei todo mundo ali passar na minha frente, fui verificar a minha caixa postal, quando retornei, já era o décimo segundo.

O papo, animadíssimo, continuava dentro da agência. Sem muita regra, todo mundo dando opinião, falavam sobre tudo, da greve dos bancos até o receio de uma possível falta de medicamentos (aposentado morre de medo disso, e me incluo!) e, é claro, a "atualização" sobre quem passou dessa pra melhor ou está quase.  Já escrevi que aqui na roça o pessoal só morre "em bando", né? Culpa, dizem, de uma maldição que um padre jogou, muito antigamente... e é assim mesmo. 

Atualizadas as "notas de falecimento", lá pelas tantas, chega um senhorzim, simpático de tudo, de chapéu na cabeça e uma bolsa rosa da Hello Kitty onde ele levava (mais tarde eu vi, é claro que deixei passar na minha frente também) os documentos. Duas pessoas à frente, estava um conhecido (dele, não meu), e foi aí que eu tive a sorte de presenciar um daqueles diálogos inesquecíveis:

- "ô seu Joaquim, ocê tá bão?
-tô bão e ocê, tá bão né!
-eu tou bão também, e ocê?
- tou bão.
- ah... então tá bão uai".

Ficaram os dois quietinhos e felizes depois dessa, um deles até comprou uma tele-sena pra tentar a sorte em casa depois, porque " a mulher adora marcar essas coisas".

Na hora eu lembrei de um outro "causo", ocorrido lá no final dos anos 80, quando eu ainda era um adolescente e, entre outras coisas, podia se fumar dentro dos ônibus. (Até pouco tempo atrás, o ônibus que fazia a linha aqui de Monsenhor Paulo até Varginha ainda tinha os cinzeiros, o que não me deixa  mentir).

Eu e dois amigos indo passar um carnaval na praia. Da rodoviária da cidade maior, pegava-se um ônibus pra onde queríamos ir, desses bem "cata-jeca" que, lá pelas tantas, parou no meio do nada pra deixar um velhim embarcar.

Ele se assentou dois bancos à nossa frente. Colocou a trouxa na cadeira ao lado, mexeu lá dentro, tirou um canivete, o fumo de rolo, enrolou o cigarrim, acendeu e fumou feliz o resto da viagem.

Pouco antes do desembarque, lá vinha o cobrador, pedindo a via da passagem... chegou ao velhim:

- "a passagem, Sr.
- o quê?
- a passagem, que eu anotei logo que você entrou.
- aquele papelim? - perguntou.
- aquele papelim? - reforçou.
-é.
- pitei ele, ué! "

(pensa num sorriso aberto, daqueles cheios de dentes faltando e de alegria e simplicidade sobrando).

Pensando nisso tudo, saí da agência dos correios mais feliz do que entrei. Coisas de cidade pequena, onde ainda conseguimos parar pra escutar.

 De noite, contei o caso pra Fabi.

- Escreve isso, Lê!

Pois é.


A propósito: como o cartão de benefício era do INSS e não do banco, consegui revalidar a senha.
Sorte a minha, né!