sábado, 16 de dezembro de 2023

PONTEARTA 2

 






A cidade que me escolheu continua pequena. Bem pequena.

Mas fisicamente tá crescendo! Nos últimos 10 anos surgiram novos bairros, salpicados de casinhas e – dependendo do lugar – casonas também. O que faz a gente se perguntar: como é que pros meus olhos a cidade aumentou tanto mas no meu coração parece que são as mesmas pessoas morando aqui?

Na verdade, nossa população permanente ficou praticamente a mesma, vez que a população flutuante (veja bem, tive que pesquisar esses termos) é grande. E na verdade, o que acontecia então, ainda acontece: os jovens partem pra fazer faculdade, estudar fora, e acabam se empregando e construindo uma vida em outras cidades, mesmo outros Estados, muitas vezes retornando bem mais tarde. Juntando tudo, o último Censo (2022) disse que hoje somos 8340 paulenses.

No primeiro texto eu citava uma porção de coisas que não tinha por aqui: Livraria, Cinema, Shopping Center, Danceteria, Metrô, Restaurante de comida Chinesa, Japonesa ou Alemã, teatro, rodoviária, escada rolante... mas tenho orgulho em anunciar que agora temos:

 

1)      Um semáforo!  Sim! Na verdade, são 3,  todos em um mesmo cruzamento complicado onde 3 vias de mão dupla se encontram e vocês podem imaginar a confusão que era. E são daqueles semáforos modernos, cheios de prosopopeia,  com contador de tempo e tudo o mais, o que só faz deixar a gente mais ansioso, será que vai dar tempo pra passar?  Geralmente dá.  Também rende muita reclamação, todo mundo se queixa de ficar parado por “tempo demais”, vocês podem imaginar a confusão que virou!

 

2)      Ônibus Urbano - Exatamente! Agora temos um circular, que, com hora marcada, percorre a cidade, centro e bairros, e sou obrigado a confessar que nunca andei nele, mas morro de vontade. Quem subiu nele uma vez foi a Cacau, meu pastor alemão, que um dia encontrou a porta aberta e invadiu o ônibus, assentando-se no primeiro banco. Só faltou latir: “acelera esse busão seu motorista!”. 

O Circular tem um ponto Central, quase uma mini-rodoviária, parada obrigatória durante o passeio com as cachorras, que adoram visitar a atendente e o motorista, super simpáticos e queridos. Abanação de rabo garantida.

O que agora  nos leva a um lamento: ainda não temos rodoviária, e há dois anos, no pós pandemia - não sem muita briga por parte da prefeita - perdemos a linha de ônibus interurbano.

A empresa disse que “ a linha tornou-se deficitária,  que o numero de passageiros não sustentava os custos” e desde então aqui só se chega ou sai em carro próprio, de carona ou de taxi mesmo. Que aperto me deu no coração, eu simplesmente ADORAVA pegar a linha pela estrada de terra, olhar as montanhas, sítios e fazendas no caminho entre Varginha e Monsenhor Paulo. Cheiros e imagens ainda enfeitam a minha imaginação sempre que lembro, desde a primeira vez que vim pra cá de ônibus, em 2001.

 

De toda forma, na cidade a maioria das pessoas continua indo pra todo lado à pé, embora o número de carros tenha aumentado, e hoje os motoristas possam até mesmo sentir um “gostinho” de cidade grande e pegar um “micro-engarrafamento” depois da Missa. Um Luxo!

As quermesses, tão típicas, se atualizaram, ganharam ares de feira moderna na nossa praça revitalizada (outra contradição, tiraram tantas árvores de lá, como assim “revitalizou”?) e assumo que ficou muito bonita e prática, com os novos estacionamentos em ângulo, mas eu tenho outra birra porque não fizeram um coreto. Puxa, em cidade do interior de MG é obrigatório ter um coreto na praça da Matriz, é uma regra tácita, né?

A verdade é que vale a pena visitar e conhecer, e os novos espaços estão sendo super aproveitados com a feirinha de domingo e os eventos – como a Festa das Nações, que acontece todo ano numa praça mega iluminada, cada barraquinha representando uma entidade (Vila Vicentina, Apae, Creches, Corporação Musical, Hospital...) e um país, com comidas típicas e tudo. Lembra quando eu falei que não tinha restaurante de comida de outro país? Pois é. Mentira. Em dezembro tem e vale a visita.  Felizmente, pra quem tem saudades dos “bingos de frango”, a Festa da Vila continua acontecendo em Junho, a tradição segue firme! E eu continuo sem sorte, não ganhei nada!

A cidade que me escolheu continua não gostando muito de rock, embora cada vez menos se ouça Tião Carreiro e cada vez mais escutemos uma mistura amalucada de funk com sertanejo, muito batido pra pouca mensagem, tudo muito frenético, bem sintonizado com o que se ouve Brasil afora.  Meus ouvidos de velho chato doem, mas fazer o que? Os bons amigos continuam se reunindo aqui em casa, ao redor do toca discos. E é obrigatório ouvir tudo sem pular música, ora bolas, Vitrola não é Spotify.

Profissões ainda ganham ares de sobrenome, e ainda encontramos o “fulano da padaria”, o sicrano da borracharia, o Tião Pedreiro ou o João do “banco do Bradesco” ( algumas pessoas falam assim mesmo, e eu adoro). Já eu, continuo tendo a mesma dona, ainda sou o “Alexandre da Fabiana, é claro, embora “Xandão da banda” tenha ocupado um segundo lugar, seguido não tão de perto por “aquele barbudão que passeia com os cachorros”. Não importa a alcunha, todo mundo sabe de quem estão falando.

Por falar em som, o caminhão de lixo aqui toca música e também transmite mensagens, foi até objeto de matéria na televisão, chique demais né. E o som das maritacas, dos passarinhos e da criançada brincando na rua permanece constante e forte, que sorte!

Os visitantes mais desavisados continuam se assustando com os anúncios de falecimento nos auto-falantes da igreja, agora mais modernos e potentes. Dá pra sentir a cidade parando, as pessoas saindo na porta dos comércios ou chegando o ouvido mais pertim da janela pra escutar o nome de quem partiu. Algumas funerárias também costumam anunciar com carro de som, tem uma até que faz o anúncio com a marcha fúnebre de fundo, coisa assustadora de se ouvir.

Assustador de verdade foi a pandemia de Covid, a cidade silenciosa e com as entradas obstruídas por valas, montes de terra e tubos enormes de concreto. Mais de 20 cidadãos nos deixaram com muitas saudades, e eu, contando gente de fora da cidade, perdi meu pai e mais 3 pessoas próximas e queridas. Muito ruim viver a história.

O lado bom é que aqui ainda continuamos a sentir o que é realmente viver em sociedade, e a dor de um acaba amenizada pelo carinho e empatia de todos.

 Por outro lado, a cidade ainda é pequena e tá todo mundo junto e por isso, se não quiser virar notícia, nada de tentar fazer xixi na praça ou bobiça dentro do carro. Aliás, o centro da cidade tá cheim de câmeras, melhor se comportar.

A rádio comunitária perdeu audiência e a rádio da cidade ao lado, que todo mundo ouvia, perdeu seu maior locutor, o simpaticíssimo Jorge Bala. A turma agora ouve rádio pela internet, e tem gente da cidade – natural e adotivo - fazendo sucesso como locutor, dá orgulho.

Em resumo, é isso. Monsenhor Paulo, nossa “PonteArta” continua livre da miséria e da violência das grandes cidades, continua povoada de pessoas bonitas, homens e mulheres, agora descendentes dos descendentes da mistura de italianos e gente da terra. Continua pacata e convidativa, continua com seus pequenos problemas amenizados por enormes corações. Continua gostando de foguetes, mas felizmente um pouco menos que antes.

Eu pensava ter escolhido essa cidade, escrevendo o primeiro texto descobri que foi ela que me escolheu.
E não tenho o menor arrependimento.

 


A FOTO QUE NUNCA HOUVE.


 



                                                                          Nick Cave

Meu amigo "recente" - coisa duns 35 anos apenas - Teteu Roadhell - me visitou há pouco tempo, e entre muitas lembranças e risadas, surgiu esse assunto.

Nos idos de 1993 o músico Australiano Nick Cave (que já era bem famoso entre quem curtia aquele som dito "alternativo) fez um show em Belo Horizonte. Veja bem, ele já havia tocado no Brasil em 1989, e pra aumentar o toque de realismo fantástico dessa estória, se apaixonara por uma brasileira e chegou mesmo a morar em terras paulistas entre 1990 e 1992 (se não me engano).
A questão é que nessa época a gente vivia duro - eu no alto dos meus 20 anos, não raro andava à pé pela cidade pra economizar a grana do busão e poder meiar uma garrafão de 5 litros de vinho barato com meus amigos e curtir o fim de semana - então, comprar um ingresso pra um "show internacional" tava fora de cogitação.
Só que, na época do show, rolou pelo "metiê" da turma "alternatchiva" o boato de que o Nick Cave ia aparecer, depois da apresentação, em um bar que de tão underground devia se situar na litosfera ( mas na verdade ficava no bairro Funcionários mesmo, numa casa de dois andares com ares de abandonada, vários cômodos pequenos interligados por uma escada apertada, tudo decorado com ferro velho), chamada SQUAT (pesquisem o termo pra entender o porquê do nome).
Ora, grana suficiente pra ir no Squat a gente tinha, inclusive já tinha ido e ainda iria em vários shows por lá (Okotô, Chemako, Os Contras... esqueci o nome de outras bandas) que rolavam num pequeno palco apertado onde as paredes até pingavam com a condensação do suor da plateia, formada por punks, darks (como a gente chamava os "góticos" de então), alguns skatistas, músicos de várias tendências, enfim, uma miscelânea.
Chegamos no bar por volta das 23 horas, casa super vazia, uns 10 gatos pingados espalhados pelos ambientes, o que atribuímos ao show. As horas passavam, a casa continuava "meia bomba", o show já deveria ter acabado (imaginávamos) e nada do Nick Cave aparecer. Estávamos quase desistindo quando um burburinho no andar de baixo chamou nossa atenção. Eis que chegava um grupo "grande" (umas 10 pessoas, o que provavelmente aumentaria em 1/3 a ocupação do bar) e no centro de tudo, O CARA, Nick Cave em pessoa. Alto e calado, foi subindo as escadas, conhecendo o bar (alguém fazia o papel de cicerone) e deu de cara com a gente.
CLARO, puxamos assunto em um inglês meio capenga (sem saber que ele entendia bem o português após anos morando em São Paulo) e pra coroar, pedimos pra tirar uma foto!
O que diriam nossos amigos! Seríamos "idolatrados", os "caras que tiraram uma foto com o Nick Cave"! (como a gente é besta quando é jovem, né).
Lembrem-se, era o começo dos anos 90 do século passado, shows internacionais em BH eram raríssimos e não tinha essa de celular com câmera, sequer câmera digital. A coisa era máquina com filme, de revelar mesmo... Lembro que a espera pra revelação foi um suplício. E aí Matheus, revelou?
Até que a foto ficou pronta. E pro nosso desespero, era aquilo ali. Uma gravura desfocada e borrada em preto e branco (filme colorido era mais caro) onde mal dava pra adivinhar minha silhueta (cabelo comprido e nariz arrebitado, à direita da foto) e a "estrela" da vez, no centro, com o que parecia ser um blazer e algo como uma mancha onde estaria o rosto.
Que decepção!
Após alardear pra turma toda nossa façanha, a gente só tinha aquilo pra apresentar.
Foi a "foto que nunca houve".
Hoje rende muitas risadas e uma saudade imensa de um tempo que não volta mais. Já a música do Nick Cave & The Bad Seeds foi ficando cada vez melhor.
Nick Cave e Eu. Squat Bar, BH, 1993.