ENOE
Na minha infância eu convivi, por muitos anos, com uma Bruxa.
Ela era amiga dos meus pais, morava em Belo Horizonte, em uma casa grande no final do quarteirão (a casa ainda está lá, virou uma clínica de cirurgia plástica), viúva, tinha 4 filhos (o mais novo, Cristiano, tinha a minha idade e era um amigo muito querido).Tinha uma beleza exótica, uma cabeleira imensa muito preta, assim como os olhos. Se vestia com cores escuras (roxo, preto, vermelho escuro) e jóias, anéis, colares, pulseiras douradas. Minha mãe me contava que ela era de uma família cigana. Chamava-se Enoe, e eu nunca mais encontrei outra de mesmo nome.
Enoe era alegre, perfumada, de gestos grandes mas voz calma. Sua casa parecia mesmo um lugar mágico, cheia de gente, de arte, objetos curiosos e liberdade, cada cômodo era pintado de uma cor, a gosto do filho que ali habitava. Um deles era um artista plástico muito talentoso, inclusive.
Um dia ela se mudou da minha rua, pra um bairro mais distante, um prédio muito grande numa rua sem saída. A amizade continuou e a gente a visitava bastante, ainda mais que o condomínio tinha uma piscina imensa, onde a criançada se esbaldava.
Mais tarde se mudou pro Rio de Janeiro e pouco tempo depois, para Cabo Frio, onde também visitávamos com frequência.
Um dia ela e Cristiano foram viajar conosco pra Furnas, meu pai era sócio de um Camping perto de Formiga. Ficamos todos em um chalé, bem afastado da sede.
Numa noite chuvosa, Enoe resolveu ler mãos e tarô pra todos nós.
Veja bem, eu tinha uns 10 anos, 11 se muito.
Ela pegou minha mão. Passava a unha do indicador, muito grande e vermelha em cada uma das linhas.
- eu vou casar?
- Vai.
-E eu vou ter quantos filhos?
- talvez um. Tem uma linhazinha aqui do lado do seu dedinho que tá meio cortada. Pode ser que não.
E continuou, contou que eu não ia morar em Belo Horizonte, que eu ia ter um carro muito bonito (mas que ela não sabia o nome ou a marca) e que eu ia adoecer e não ia ter cura, mas não ia morrer disso. Que eu ia viver bem e feliz
- Vou ficar mais velho que o papai? (ele não tinha 40 anos então, já separado da minha mãe, acho ate que teve um "teretetê" com a Bruxa)
- Vai.
Criança, nem perdi o sonho com essas coisas tão vagas e distantes. Talvez vez ou outra pensasse no tal carro bonito.
O tempo passou e perdemos contato, embora muitas coincidências sempre me trouxessem a memória deles.
Quarenta anos mais tarde, em Monsenhor Paulo, com mais de 50 anos de idade, casado e sem filhos, brigando com a espondilite, essa lembrança me veio à mente.
Nunca mais nos encontramos e continuo lembrando deles com um carinho imenso.
Por causa dela cresci imaginando que as bruxas são perfumadas, gentis, independentes e livres.
Um beijo imenso pra Enoe e pra todas as “bruxas”!
Quarenta anos mais tarde, em Monsenhor Paulo, com mais de 50 anos de idade, casado e sem filhos, brigando com a espondilite, essa lembrança me veio à mente.
Nunca mais nos encontramos e continuo lembrando deles com um carinho imenso.
Por causa dela cresci imaginando que as bruxas são perfumadas, gentis, independentes e livres.
Um beijo imenso pra Enoe e pra todas as “bruxas”!