terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

MANÍACO SERIAL.


Caricatura Digital por Castello.


E aí, pessoal! Como está o carnaval por aí? 

Eu gosto muito do carnaval. Do FERIADO, estejamos bem entendidos. 
O motivo pela minha aversão à festividade eu já contei em algum texto por aqui. Boa desculpa, quem sabe, pra você que está chegando agora procurar as outras crônicas. 


Outro dia me deparei no Facebook com uma daquelas críticas "pseudointelectualóidescomdordebarriga", explicando o por quê do povo brasileiro não ler e nos comparando com outros países do continente.

E a conclusão: brasileiro não lê porque: a) os livros são caros; b) não existem muitas livrarias e c) as obras "obrigatórias" nas escolas e exigidas nos vestibulares são "antigas demais e fora de consonância com a atual realidade".

Esse tipo de "estudo" é tão ridículo que nem mereceria muitos parágrafos de comentários. Basta imaginar o quanto um brasileiro médio gasta com cerveja e tira-gosto no final de semana pra começar a entender que livros até que não são tão caros assim. Aliás, as bibliotecas SEMPRE foram gratuitas... sem falar no livre acesso às obras (e-books) em livrarias e sebos virtuais, o que já coloca por terra o segundo argumento. Nessa semana mesmo comprei um livro - novo - de quase 700 páginas por R$ 29,90 em uma delas. ISSO é caro? 

A terceira, a meu ver, é a mais furada de todas. Não consigo conceber a "enorme diferença" de compreensão entre o Machado de Assis dos meus tempos de escola e dos jovens de hoje. Aquele Brasil "republicano de fraldas" já era "antigo e ultrapassado"  também na minha época, oras! 

E nem por isso tive dificuldades em me situar em outro tempo, em outras situações, ou em me adequar a uma outra linguagem... enfim, não é pra isso mesmo que deveriam servir os livros?!

Sinceramente, qual seria a graça de apenas ler sobre a nossa realidade e tempo? As temáticas, sejam no século XIX, sejam as tragédias gregas de 500 anos antes de Cristo não são atemporais?
Acho que a mudança nessas três últimas décadas é muito menos tecnológica e muito mais comportamental.

Estamos criando gerações de futuros adultos preguiçosos, dependentes, irresponsáveis e sem imaginação. E tudo isso com o "patrocínio" de políticas estatais, com o "apoio" de doutrinas religiosas ou com o "interesse" de redes de televisão.

A verdade é que o brasileiro - como massa, como povo - não gosta de ler. Nem legendas em filmes no cinema - que não deixava de ser um mínimo de leitura - estamos encontrando mais. As cópias originais legendadas estão DESAPARECENDO das salas de exibição. Que não reclamem da evasão do público, ou do decréscimo na renda, se as pessoas optarem por BAIXAR na internet a versão original.

Eu sei. A questão não é tão simples. Como quase sempre, exagero um pouco. É que fica difícil não se revoltar quando você assiste, sei lá, uma estória passada na primeira guerra mundial narrada por um dos personagens do Dragon Ball... ou encara um drama familiar pesado onde a pobre protagonista chora as suas mazelas com a voz da Dona Florinda. Juro que sempre pensei que o dublador do Brad Pitt, o Aquiles no filme Troia, também fazia a voz do Barney Rubble. Aquele "tem mais alguém" não me engana.

Vejam bem, eu também cresci acompanhando os enlatados americanos e japoneses. Também prefiro o "Esquadrão Classe A", a "Super Máquina", o "Chips", o "Ultramen" e muitos outros soando em bom português. Aliás, JAMAIS vou me acostumar com a voz original dos Simpsons. Existem os bons e os maus dubladores. Infelizmente os GRANDES mestres, ou já morreram, ou estão velhinhos. E pra cada bom novo dublador - o Selton Mello por exemplo -  uma dezena dos ruins aparece.

Seriados... ah, os seriados! Agora cheguei onde queria. Essa introdução "reclamona" toda apenas pra dizer que eu sou um viciado irrecuperável. E nunca houve uma safra tão boa! 

Como imaginaria um dia encontrar séries como a Boardwalk Empire, de "gangsters", produzida pelo Martin Scorsese... um "poderoso chefão" em capítulos!

Ou como a Guerra dos Tronos, que encontrei primeiro na telinha pra só depois poder devorar os livros e concluir que, sim, são idênticos e muito, muito bons.

Séries onde os roteiristas não têm medo de matar um personagem central, de  criar uma reviravolta completa e inesperada na trama.

Ou a Californication? Abduziram o David Duchovny e o transformaram de detetive nerd apagadão em um escritor galã com uma inspiraçãozinha no Bukowski.

Dexter... ah, o Dexter. Todo mundo que conheço, de repente, se viu torcendo pra um completo maluco. Isso não acontecia, sei lá, desde o filme O Silêncio dos Inocentes.

Hell on Wheels, uma lição sobre a história norte americana de me fazer lembrar de livros como o "Enterrem o meu coração na curva de um rio". Sem falar que é um western e eu sou doente por westerns. E pela segunda guerra mundial: Band of Brothers, The Pacific... e eu já conhecia o Stephen Ambrose de antes, bem antes.

Sons of Anarchy. Pusta trilha sonora. Acho que essa série está causando o efeito nos motoclubes que o filme Easy Rider causou nos jovens na década de 60. De repente todos eles adotam o visual, as "patches", as tatuagens de costas inteiras com o nome do grupo.

Nem vou falar de séries como a Spartacus, que melhorou ainda mais aquilo que vi anos atrás nas duas temporadas de ROMA. Intrigas, sangue e mulher pelada... pra quem curtia o Conan nos quadrinhos e nos filmes é o paraíso.

Agora me aparece a Luck. Dustin Hoffman. Nick Nolte. Michael Mann dirigindo o piloto. Fala sério! Se pra cada filmeco como o último Transformers acompanharmos uma série incrível como a Luck, eles que fiquem com seus filmes dublados! 

E, é claro, The Walking Dead. Foram tantas as brincadeiras e menções a essa série hoje pela manhã que me inspirei a escrever esse pequeno texto. 

Nunca gostei de zumbis. Talvez por já encarar um, personalíssimo, cada vez que me olho no espelho. A verdade é que as estórias sempre foram simples demais, superficiais demais. Tirando o "Fome Animal", nunca curti nenhum filme desses. Finalmente se redimiram, em uma série de televisão onde o cérebro dos protagonistas (e por consequência, dos espectadores) serve pra algo mais que um banquete.

A verdade é que, nos filmes, mais visível do que nas demais artes em geral, as produtoras e estúdios só apostam no que tem "retorno certo". 

As emissoras de televisão seguem a tendência. Salva-se uma ou outra boa série ou minissérie da rede globo, uma espécie de pedido de desculpas pra cada edição do BBB ou programinha como "amor e sexo" que aparecer.

Tudo isso - essas séries bem escritas, bem produzidas, em linguagem atual - é apenas uma demonstração de que sim, dá pra se consumir cultura com uma qualidade acima da média. 

Melhor ainda se essas estórias te fizerem procurar um "algo a mais". Um filme  do Scorsese, um livro do Bukowski, uma revista em quadrinhos européia, um disco da Dusty Springfield ou do Terry Reid.

Hoje em dia está tudo ali, mastigadinho, a um clique de distância. Basta QUERER.







segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

EMPATIA.


Certo dia você acorda e descobre que não está conseguindo se mexer. 

Aliás, está difícil até mesmo se levantar da cama. Uma dor forte, parece aquela dor na coluna de quando você exagerava carregando peso ou ficava horas assentado em uma posição incômoda. Parece... mas... espera aí, é bem mais forte! Bem mais. Aliás, acho que não está doendo só  a coluna. Vou chamar a minha mãe, meu marido ou esposa, meu irmão, o Jaspion, sei lá, vou chamar os bombeiros. Socorro!

Todo mundo que sofre da espondilite anquilosante passa por alguma situação mais ou menos parecida. É o começo daquilo que vai mudar sua vida pra sempre, quer você queira, quer não; quer você aceite e lute, quer você se revolte e se entregue.

Ultimamente conheci tantas pessoas na mesma situação que resolvi escrever esse pequeno texto... sem a pretensão de ensinar ninguém, sem cientificismo. Isso a gente encontra aos montes pela internet afora.  Também não pretendo restringir o assunto à minha experiência. Apesar do que não posso evitar tratá-lo sob minha ótica personalíssima.

Apenas minha opinião sobre o preconceito e sobre esse começo tão difícil, que no meu caso logo vai fazer aniversário de 15 anos.

Sem baile. O Caio Castro tá com a agenda lotada, então a minha espondilite vai ter que dançar sozinha. Quer dizer: ela toca a música. Quem dança sou eu. Mas, se tenho que dançar, então danço à minha maneira.

A espondilite se manifesta de forma tão diversa quanto a personalidade das pessoas. Tem gente que fica ANOS convivendo com aquilo que acha ser uma dor nos ossos ou na coluna, controlável com analgésicos. Pra mais tarde cair naquela situação que eu descobri já na primeira manhã como doente crônico. Outras pessoas nunca sofrem grandes consequências, continua praticando esportes e levando uma vida normal.

Mas eu não estou exagerando. Nos casos mais agressivos, começa assim mesmo. Do dia pra noite. Você dorme de um jeito, acorda de outro.

Mais tarde, quando você para pra pensar bem, vai começar a encontrar alguns sinais,  fatos tão comuns que não serviriam de alerta exceto porque acabaram tendo mesmo ligação direta: dor de coluna frequente, algum problema respiratório (uma gripe longa, tosses incessantes), algum  problema nos olhos (uma conjuntivite longa, por exemplo) ou nos intestinos (uma diarreia inexplicável)... no meu caso foi uma soma: conjuntivite + tosses + um "torcicolo" que durou uns dois meses. 


Era o começo da "revolução do meu corpo contra ele mesmo".

Na maioria das vezes, as dores são na lombar... é aquela dor fortíssima nos nervos das pernas (ciático), aquela dificuldade pra se levantar ou abaixar, comigo foi meio atípico pescoço primeiro, o resto veio depois. E rapidamente. O torcicolo sumiu por uns tempos, mas depois daquela manhã, ele voltou com tudo. Todo o corpo doía, mas a cervical era o que mais incomodava. 

Nunca fui o mais flexível dos mortais. Mas conseguia fazer o básico: dar cambalhotas, assentar no chão, amarrar os sapatos... de repente me vi transformado no Robocop. Igualzinho: virando o corpo inteiro pra poder olhar ao redor.

Uma outra coisa que "descobri" nas minhas conversas com as pessoas: o fator emocional é DETERMINANTE. Sério. Nunca conheci um esponditítico que não tivesse passado por alguma emoção fortíssima no período imediatamente anterior à manifestação. E não estou falando só de emoções negativas não, apesar dessas serem a imensa maioria. Conheço gente que ficou ruim depois de receber uma notícia muito boa! Ironia fina. 

Outro fator comum a todos nós é a "via crucis" em busca de um diagnóstico e de um tratamento. Não vou entrar em detalhes nesse texto, porque minhas desventuras (e as de muitos amigos) estão espalhadas pelas outras postagens.

Viramos presa fácil de milagreiros, macumbeiros,  oportunistas e médicos despreparados.

Isso ainda acontece, mas, felizmente, um pouco menos, ano a ano. Graças a briga de muitos de nós pelo reconhecimento de que estamos todos (médicos, pacientes e sociedade) despreparados para diagnosticar ou para lidar com muitas doenças crônicas, ainda mais as auto-imunes, tão mutantes!

E, é claro, a face mais chata de tudo isso: o preconceito.

Não foi meu caso (ufa!), mas já me relataram situações tão absurdas quanto àquelas que alguns de nós que temos um pouco mais de idade acompanhamos quando do aparecimento - por exemplo - da AIDS.

Sério, tem gente que acha que espondilite pega com um toque ou ao se compartilhar um copo! São casos mais isolados e sem nexo, mas nem por isso inexistentes.

A maioria de nós sofre o preconceito profissional: viramos preguiçosos e lentos. Viramos mentirosos que "inventam" uma dor pra poder fugir das nossas responsabilidades. Fingidos profissionais. Já falei disso antes...

Ou as sanções sociais: ser um deficiente físico em uma sociedade concebida por e para quem não tem problemas de saúde.

Depender do auxílio do Estado quando a saúde pública está corrompida por casos falsos de doenças graves como a nossa - em busca da aposentadoria; por desvio de medicamentos; pelo mal caratismo de quem se aproveita daqueles que estão mais fracos.

Pagamos o preço da burocracia e das exigências absurdas, da demora para a concessão de uma aposentadoria por invalidez,  para o fornecimento de um medicamento de alto valor, na interrupção de um tratamento pelo desaparecimento do medicamento ou pelo medo.

Pagamos o preço até mesmo pela justificável dúvida de Juízes e Promotores em relação ao seu caso, receio de se envolver em um escândalo, em uma situação que garanta o gasto de centenas de milhares de reais com uma pessoa mal intencionada: o tratamento de um espondilítico com medicamentos biológicos chega a custar mais de 200 mil reais anuais para os cofres públicos.

Literalmente pagamos o preço pelos pecados alheios. Mas isso não se restringe à saúde pública.

Já soube, por outro lado, de casos de pessoas que recebiam os seus medicamentos e os repassavam a um preço "abaixo de tabela", pra ganhar uma grana com isso. Preferem morrer "ricos" a se tratar. Também quem se corrompe não ajuda em nada.

É um "outro lado da moeda" para o qual muitos de nós fecham os olhos ao reclamar em voz alta. Acredito de verdade que a aposentadoria por invalidez é tão difícil não por "maldade", mas por excesso de zelo. 

Mas nada dói mais do que quando isso se estende à opinião dos nossos entes mais próximos e mais queridos.

Felizmente, minha família é incrível e nunca deixou de me apoiar e de me ajudar em todos os momentos tão difíceis dessa minha caminhada manca. O mais próximo que cheguei disso foi ser deixado (ou abandonar, já que eu terminei a relação a contragosto) por minha namorada na época, que achou mais fácil me presentear com um par de chifres do que assumir que não teria forças pra lidar com uma pessoa tão "problemática" quanto eu.

Todavia, existe gente que sofre isso no dia a dia. Acusação e abandono por parte dos seus familiares, amigos, maridos ou esposas. Todos lavam as mãos  ao lidar com o "preguiçoso reclamão".

Como é chato ver a indignação triste de pessoas que não recebem o básico que se espera de quem nos ama: a compreensão.

Não a compreensão do que é a doença, dos detalhes clínicos, isso tudo é complicado mesmo para os médicos, mas a compreensão de que ali está uma pessoa que você ama e que precisa da sua ajuda, depende um pouco das suas forças, já que não pode mais contar com as próprias.

EMPATIA. Eis a palavra.

Eu já aguentei olhos acusadores de "amigos", de colegas de trabalho... mas não consigo conceber o sentimento dolorido de ter que aguentar esse tipo de suspeita dentro de casa. Vindo de quem deveria nos conhecer acima de tudo e de todos.

É inegável o fato de que os doentes crônicos também devem procurar fazer a sua parte. Não se entregar à total inatividade, não depender apenas do outro pra melhoria de sua condição. Guardar a reclamação pra quando esta se fizer realmente necessária.  Na vida, é tudo uma troca. Não espere um olhar transigente de quem você só trata com pedras nas mãos.

Se você é familiar, cônjuge (uma das palavras mais feias da língua portuguesa, segundo o Rubem Braga. E tem razão, o Mestre), amigo próximo de um doente crônico, leia esse texto de novo. Procure se colocar no lugar dele.

Tenha paciência com o choro, a lentidão, o mal humor e as reclamações.

Imagina de repente o que é ter uma "dor" doendo o tempo todo em todos os ossos do seu corpo. Ou o que é acordar inexplicavelmente prostrado,  por não saber que o seu sistema imunológico já consumiu sozinho boa parte de sua energia. Ou a frustração de depender das outras pessoas pra coisas tão simples quanto se vestir. Ou sofrer silenciosamente porque o seu problema é tão embaraçoso, íntimo e incômodo, que você não tem como expor.

A coisa piora quando o problema é "invisível", não aparece. Quem sofre com o mal de Crohm sabe exatamente do que eu estou falando.

Você fica mal humorado por uma dor de dente ou de cabeça. Distribui fel porque o trânsito estava ruim ou o seu chefe insinuou que você era incompetente. 

Que tal um olhar um pouquinho mais condescendente pra pessoa que está ali ao seu lado? Que só espera de você carinho, companheirismo, paciência e compreensão?

Eu sou um felizardo. Sou presenteado por aqueles que me cercam com tudo isso e muito mais.

Será por isso que minha aceitação das minhas limitações e dos meus problemas, o meu humor e positivismo, a minha força e persistência são tão aparentes? 



Porque eu sou assim não apenas por mim mesmo, mas também pelas pessoas que amo.

Pra que a luta de todos nós tenha algum sentido.