Não faz muito tempo eu e Fabi fomos ao cinema em Belo Horizonte.
A gente adora ir ao cinema, mas convenhamos, nem sempre conseguimos, pois na nossa realidade de cidade pequena isso significa uma viagem de pelo menos 60 km e na maior parte das vezes os filmes que queremos ver ou não estão em cartaz, ou exibem apenas a versão dublada (e eu sou aquele tipo de chato que insiste em ver sempre legendado, com o áudio original, pois gosto da interpretação e entonação do ator que fez o filme, mas não tenho críticas a quem gosta de assistir dublado, cada um na sua, o importante é assistir). E naquela pequena e moderna sala de Shopping Center (com menos de 300 lugares) bateu uma saudade enorme dos cinemas de rua.
Também conhecidos como “cinemas de bairro”.
Belo Horizonte tinha dezenas deles, e que acontecimento e experiência era ir ao cinema!
Quem é mais jovem e só conhece os cinemas das grandes redes nos Shopping Centers jamais vai entender o que era assistir a um filme, por exemplo, no Cine Brasil lotado.
O maior, mais antigo e mais central dos cinemas de BH ficava na Praça Sete, em um prédio dos anos 30 em art déco, e acomodava mais de 2500 pessoas. Entre as minhas lembranças mais queridas está uma vez em que fui assistir no Cine Brasil, acompanhado da Vilma - moça que trabalhava lá em casa - a um filme dos Trapalhões. Os trapalhões na Serra Pelada. 1982.
Eu ainda não tinha 10 anos de idade, mas lembro-me nitidamente da enorme fila antes das portas se abrirem, e da minha mãe, sabe-se lá como descobriu a hora certinha, acenando pra gente lá do alto do Edifício do BEMGE, no outro lado da avenida Amazonas, onde trabalhava. Lembro com carinho do barulho dos vendedores no cinema sacudindo as caixas de Mentex, das risadas simultâneas de 2000 pessoas que faziam a experiência de assistir a um filme ter a sensação de um jogo de futebol no estádio!
Até onde sei o Cine Brasil foi restaurado e hoje é um teatro e centro cultural com uma programação incrível. Acho que se voltar lá algum dia não vou conseguir controlar as lágrimas...
Eu não frequentei o cine Metrópole, na Rua da Bahia, lembro-me vagamente daquele prédio “diferente”, que lembrava até um castelinho (todo em art deco) e que foi demolido no começo dos anos 80.
Cine Metrópole, foto de 1978
Mas conheci o cine Jaques, outro “gigante” com 1800 lugares, que ficava na Rua dos Tupis. Nas suas poltronas verdes eu assisti em 1991 o filme Ghost, um sucesso tremendo, muitas semanas em cartaz, lembro que fui nos últimos dias de exibição e ainda estava lotado. Um ano depois o cinema seria demolido pra virar parte do que hoje é o Shopping Cidade.
Muito tempo depois fiquei sabendo que esse mesmo cinema antes chamava-se Cine Tupi e foi o lugar onde o Milton Nascimento e o Marcio Borges assistiram por muitas sessões seguidas ao filme Jules et Jim do Truffault e saíram de lá empolgados pra criar nada menos que o movimento musical que seria conhecido como CLUBE DA ESQUINA!
Ao entrar nesse shopping no centro de BH, lembre-se que estará pisando em solo sagrado.
Mas conheci o cine Jaques, outro “gigante” com 1800 lugares, que ficava na Rua dos Tupis. Nas suas poltronas verdes eu assisti em 1991 o filme Ghost, um sucesso tremendo, muitas semanas em cartaz, lembro que fui nos últimos dias de exibição e ainda estava lotado. Um ano depois o cinema seria demolido pra virar parte do que hoje é o Shopping Cidade.
Muito tempo depois fiquei sabendo que esse mesmo cinema antes chamava-se Cine Tupi e foi o lugar onde o Milton Nascimento e o Marcio Borges assistiram por muitas sessões seguidas ao filme Jules et Jim do Truffault e saíram de lá empolgados pra criar nada menos que o movimento musical que seria conhecido como CLUBE DA ESQUINA!
Ao entrar nesse shopping no centro de BH, lembre-se que estará pisando em solo sagrado.
Cine Jacques, antigo cine Tupi. Foto de uma das últimas sessões em 1991
Havia o Cine Pathé na Cristóvão Colombo, no coração da Savassi, onde assisti - entre tantos filmes – Aliens, o Resgate. Provavelmente foi o cinema que mais frequentei, pela facilidade e proximidade, da casa dos meus avós paternos na rua Leopoldina, no Santo Antônio dava pra ir à pé, uma curta caminhada por uma mais que aprazível Savassi arborizada e completamente vazia. Sério, aos domingos – dia tradicional de ir ao cinema - mesmo o trânsito era raro, isso numa das regiões mais movimentadas da cidade! Fiquei muito triste quando foi transformado em um estacionamento! Hoje não sei o que funciona no local. O prédio está decadente, bem merecia uma revitalização.
Havia o Cine Pathé na Cristóvão Colombo, no coração da Savassi, onde assisti - entre tantos filmes – Aliens, o Resgate. Provavelmente foi o cinema que mais frequentei, pela facilidade e proximidade, da casa dos meus avós paternos na rua Leopoldina, no Santo Antônio dava pra ir à pé, uma curta caminhada por uma mais que aprazível Savassi arborizada e completamente vazia. Sério, aos domingos – dia tradicional de ir ao cinema - mesmo o trânsito era raro, isso numa das regiões mais movimentadas da cidade! Fiquei muito triste quando foi transformado em um estacionamento! Hoje não sei o que funciona no local. O prédio está decadente, bem merecia uma revitalização.
E o Cine Acaiaca?
Que tinha uma entrada pequena e estreita que disfarçava sua capacidade pra mais de 800 pessoas. Se o filme em cartaz era de sucesso, a fila - e a confusão - eram certas. Fazia parte do charme.
O prédio que o abrigava era e é incrível, já foi e talvez ainda seja o mais alto da cidade (com um elevador tão rápido que subia os 25 andares em absurdos 20 segundos!) todo construído no estilo art deco, com enormes efígies indígenas na fachada, que dava ares de Gotham City.
Tenho muito carinho e excelentes lembranças desse cinema, onde assisti O Retorno de Jedi em 1983.
Mas é um prédio ao redor que mais se destaca, cheio de curiosidades, foi onde aprendi a datilografar (a escola ficava no terceiro andar, a gente subia por uma escadinha adjacente muito apertada que saía da lateral esquerda do corredor de acesso ao cinema, e foi também onde visitei, pela primeira e única vez na minha vida, um “abrigo anti-aéreo”, que existe até hoje.
Explico: o prédio, de 1942, obedecia a um decreto do Presidente Getulio Vargas que, no auge da segunda guerra mundial, orientava a construção desses abrigos, temendo um ataque aéreo das forças do eixo!
O cinema, salvo engano hoje é uma igreja evangélica, triste sina compartilhada com tantos outros.
Que tinha uma entrada pequena e estreita que disfarçava sua capacidade pra mais de 800 pessoas. Se o filme em cartaz era de sucesso, a fila - e a confusão - eram certas. Fazia parte do charme.
O prédio que o abrigava era e é incrível, já foi e talvez ainda seja o mais alto da cidade (com um elevador tão rápido que subia os 25 andares em absurdos 20 segundos!) todo construído no estilo art deco, com enormes efígies indígenas na fachada, que dava ares de Gotham City.
Tenho muito carinho e excelentes lembranças desse cinema, onde assisti O Retorno de Jedi em 1983.
Mas é um prédio ao redor que mais se destaca, cheio de curiosidades, foi onde aprendi a datilografar (a escola ficava no terceiro andar, a gente subia por uma escadinha adjacente muito apertada que saía da lateral esquerda do corredor de acesso ao cinema, e foi também onde visitei, pela primeira e única vez na minha vida, um “abrigo anti-aéreo”, que existe até hoje.
Explico: o prédio, de 1942, obedecia a um decreto do Presidente Getulio Vargas que, no auge da segunda guerra mundial, orientava a construção desses abrigos, temendo um ataque aéreo das forças do eixo!
O cinema, salvo engano hoje é uma igreja evangélica, triste sina compartilhada com tantos outros.
Entrada do cine Acaiaca
O cine Palladium ficava no centro, na Avenida Augusto de Lima e era o mais luxuoso dos cinemas de BH, com suas grandes poltronas vermelhas, e eu sempre tinha a impressão de que tinha o melhor som e imagem da cidade. Anos depois li uma matéria onde um especialista confirmava isso.
Foi onde assisti o primeiro Karate Kid em 1984, e também foi onde assisti com quase todos os meus amigos ao primeiro filme do Batman, em 1989, um grupo de mais de 10 pessoas compartilhando aquela experiência! Tenho uma lembrança muito boa de descer com alguns deles depois do filme, rumo à avenida Afonso Pena onde pegaria o ônibus pra voltar pra casa, empolgado com o coringa do Jack Nicholson e com as cores fechadas e sombras do Tim Burton. Hoje virou um espaço cultural incrível, dirigido pelo Sesc.
O cine Palladium ficava no centro, na Avenida Augusto de Lima e era o mais luxuoso dos cinemas de BH, com suas grandes poltronas vermelhas, e eu sempre tinha a impressão de que tinha o melhor som e imagem da cidade. Anos depois li uma matéria onde um especialista confirmava isso.
Foi onde assisti o primeiro Karate Kid em 1984, e também foi onde assisti com quase todos os meus amigos ao primeiro filme do Batman, em 1989, um grupo de mais de 10 pessoas compartilhando aquela experiência! Tenho uma lembrança muito boa de descer com alguns deles depois do filme, rumo à avenida Afonso Pena onde pegaria o ônibus pra voltar pra casa, empolgado com o coringa do Jack Nicholson e com as cores fechadas e sombras do Tim Burton. Hoje virou um espaço cultural incrível, dirigido pelo Sesc.
Cine Palladium - foto do começo dos anos 80
O Art Palácio ficava no centrão, na rua Curitiba, entre as ruas Carijós e Tupinambás: nossa Capital planejada tem essa curiosidade, no Centro, as ruas em determinado sentido homenageiam capitais e estados, no outro, tribos indígenas. Nos bairros, Rios e minerais também eram homenageados. No meu bairro e bairros próximos na região sul, por exemplo, boa parte das ruas tem nome de minerais – a rua onde nasci e minha mãe mora até hoje é a Albita, cruzando com ruas que homenageiam cidades Mineiras.
O Art Palácio também era enorme, com mais de 1000 lugares e até hoje tenho um trauma de infância ao lembrar uma vez que fui barrado em um filme em 1983: “Thunder, o homem trovão”, um genérico italiano dos filmes do Rambo.
O Art Palácio ficava no centrão, na rua Curitiba, entre as ruas Carijós e Tupinambás: nossa Capital planejada tem essa curiosidade, no Centro, as ruas em determinado sentido homenageiam capitais e estados, no outro, tribos indígenas. Nos bairros, Rios e minerais também eram homenageados. No meu bairro e bairros próximos na região sul, por exemplo, boa parte das ruas tem nome de minerais – a rua onde nasci e minha mãe mora até hoje é a Albita, cruzando com ruas que homenageiam cidades Mineiras.
O Art Palácio também era enorme, com mais de 1000 lugares e até hoje tenho um trauma de infância ao lembrar uma vez que fui barrado em um filme em 1983: “Thunder, o homem trovão”, um genérico italiano dos filmes do Rambo.
A censura era 12 anos, eu tinha quase 11, meu pai me deixou na porta do cinema (quando o filme era uma “Bomba” ele espertamente combinava de me deixar no cinema e me buscar ao fim da sessão), o senhor da bilheteria desconfiou do meu nervosismo e perguntou minha idade... tímido e medroso, suei, tremi e gaguejei e fui devidamente barrado.
- Você não tem idade né?
- Tenho sim.
- Que ano você nasceu?
- Você não tem idade né?
- Tenho sim.
- Que ano você nasceu?
Silêncio (tava tão nervoso que errei as contas...)
- Viu? Não tem idade.
- Moço, me deixa entrar, eu tenho 11 anos (arredondava já em voz chorosa).
- Não posso, menino. Esse filme não é pra você!
Que lástima! Voltei cabisbaixo pro corcel 2 vermelho do meu pai, que ainda riu do fato que eu esqueci minha data de nascimento... Alguns anos depois alugamos a fita VHS, e constatamos: o filme era uma tremenda porcaria!
Mas na época o fato me deixou arrasado, trata-se da minha segunda pior experiência cinematográfica, só perdia pra estreia do Superman 1, no cinema de Pouso Alegre. A censura era 10 anos, eu tinha apenas 6, tristemente observei meus primos mais velhos entrando no cinema... esse eu só fui assistir anos depois, quando passou na Rede Globo, e até hoje não entendo o motivo da censura. Era 1978, ditadura agonizando (foi o ano em que revogaram o AI-5), mas ainda dando as cartas...
- Viu? Não tem idade.
- Moço, me deixa entrar, eu tenho 11 anos (arredondava já em voz chorosa).
- Não posso, menino. Esse filme não é pra você!
Que lástima! Voltei cabisbaixo pro corcel 2 vermelho do meu pai, que ainda riu do fato que eu esqueci minha data de nascimento... Alguns anos depois alugamos a fita VHS, e constatamos: o filme era uma tremenda porcaria!
Mas na época o fato me deixou arrasado, trata-se da minha segunda pior experiência cinematográfica, só perdia pra estreia do Superman 1, no cinema de Pouso Alegre. A censura era 10 anos, eu tinha apenas 6, tristemente observei meus primos mais velhos entrando no cinema... esse eu só fui assistir anos depois, quando passou na Rede Globo, e até hoje não entendo o motivo da censura. Era 1978, ditadura agonizando (foi o ano em que revogaram o AI-5), mas ainda dando as cartas...
Hoje esse tão querido cinema de Belo Horizonte é uma loja da rede de eletrodomésticos Ponto Frio, que mantém em seu segundo andar uma pequena exposição com as máquinas do cinema que aquela casa um dia abrigou.
Cine Art Palacio, anos 80
Cine Art Palacio, anos 80
Do Savassi Cineclube, que ficava na rua Levindo Lopes, no Funcionários (que é o nome oficial da Savassi) e era uma sala pequena, com menos de 200 lugares,eu tenho lembranças de fim de adolescência e início de vida adulta, foi onde assisti alguns filmes que me marcaram pra vida toda: Betty Blue (filme francês de 1986, saí do filme completa e platonicamente apaixonado pela Beatrice Dalle e no dia seguinte comprei o LP da trilha sonora que tenho até hoje), Sonhos (do Kurosawa) e Ata-me (filme de 1990, com o Antonio Banderas novinho, foi meu primeiro filme do Almodóvar e nunca deixei de ver outro).
Foi o lugar que me apresentou o cinema alemão, italiano, francês, japonês, marroquino, um mundo inteiro que existia fora do universo de Hollywood.
Ir a um espaço tão pequeno e compartilhar a experiência com um grupo tão restrito de pessoas, participar (calado, como ouvinte) dos debates que muitas vezes se seguiam aos filmes, me fazia imaginar estar cercado pelas pessoas mais cultas da cidade, e, como uma esponja, sempre me sentia um pouco mais “inteligente” após as sessões... que bobagem né!
Mas tenho lembranças muito queridas dessa época, foram sessões que ajudaram a me formar como cinéfilo.
E o Cine México? Ficava na rua Oiapoque, centro profundo de BH. Nesse, confesso, eu nunca entrei, afinal tratava-se do mais infame “cinema adulto” de Belo Horizonte! Só o letreiro na fachada com o nome das “atrações” já deixava muita gente com a cara avermelhada...
Sempre que a gente passava em frente eu esticava o pescoço, tentando ver o cartaz do filme (ou filmes, já que normalmente eram sessões duplas, filmes adultos dividindo espaço com filmes de Kung fu ) e recebia o “pito” divertido do meu pai:
- tá olhando o quê, menino?
Sempre que a gente passava em frente eu esticava o pescoço, tentando ver o cartaz do filme (ou filmes, já que normalmente eram sessões duplas, filmes adultos dividindo espaço com filmes de Kung fu ) e recebia o “pito” divertido do meu pai:
- tá olhando o quê, menino?
– o filme de Kung fu, pai.
- Sei... filme de Kung Fu, né!
Quem diria que poucos anos depois bastaria ligar de madrugada na TV Bandeirantes pra assistir praticamente a mesma coisa, a “Sessão Faixa Preta” dividindo espaço e horário em dias alternados com o “cine Privé”.
Anos 80.
Existiram tantos outros Cinemas de Bairro! Alguns ainda persistem, como o Cine Santa Tereza, no bairro de mesmo nome. Outros mantém a sua vocação cultural: por exemplo o Cine Horto, que conheci já como sede do Grupo de Teatro Galpão.
E esse saudosismo também se estende pra outras cidades, eu mesmo sou um dos afortunados que já assistiu a um filme no Cine Rio Branco de Varginha, por exemplo, impressionado com as cadeiras reclináveis do mezanino.
Mas isso é história pra outro conto.
Sempre me teletransporto pra dentro das suas memórias!
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