terça-feira, 10 de janeiro de 2012

"BURROCRACIA".

Charge de Alberto Montt.

Como é difícil essa função de "operário padrão" das letras! Quem está acostumado a ler, sempre esbarra com escritores e cronistas reclamando dos períodos de ausência criativa, do excesso de autocrítica com o que escreveu, com a pressão dos editores... ainda bem que não sou pago pra isso!

Ontem deixei de postar por simples falta de assunto. E por uma preguiça imensa de vasculhar a memória atrás de casos engraçados. Foi aí que pensei: um texto bem humorado e positivo não precisa ser, necessariamente, engraçado. E também lembrei de muitos dos meus "ídolos" escrevendo que a melhor cura pra ausência de criatividade é o suor. Produzir a qualquer custo. Tirar da vivência diária um texto.

Tudo bem que ficar assistindo zumbis devorando entranhas e outras partes sanguinolentas das pessoas como na série "The Walking Dead" não ajuda muito a minha imaginação. 

A não ser que eu queira criar uma metáfora sanguinolenta com alguns burocratas que todo início de ano desaparecem com os medicamentos biológicos ou de uso contínuo, tão essenciais pra nós e... deixa pra lá, me imaginar mordendo a orelha ou arrancando a dentadas o narigão de um mauricinho mal educado, mau humorado e que provavelmente é sobrinho de um Vereador ou filho de um Secretário não deve ser interessante pra muita gente. 

Na verdade, estou sendo um pouco injusto com a minha atual situação. Talvez porque o fornecimento do meu "elixir" seja agora garantido por uma ação judicial e também porque as pessoas que me atendem na Secretaria Estadual de Saúde lá em Varginha sejam extremamente simpáticas e atenciosas. E não só com quem recebe via ação judicial, justiça seja feita.

Mas nem sempre foi assim.

Antes de eu entrar com a ação judicial eu dependia de um outro medicamento biológico, um composto contendo células de coelho geneticamente modificadas (ou, em bom "tecniquês": imunoglobulina de coelho antitimócitos humanos) que, ao invés de me fazer ultra-fértil ou desenvolver em mim pelinhos sedosos, deixava-me mais ágil, lépido e fagueiro. E completamente sem dores.

Esse medicamento era fornecido administrativamente pela secretaria de saúde dos municípios - no meu caso, como moro em um município minúsculo - também daquela cidade vizinha.

 E eu sentia na pele uma outra realidade que ainda observo muitos dos meus irmãos de luta enfrentarem em seu dia a dia: a "entressafra" de medicamentos extremamente necessários, a piora de condições de saúde, o descaso e falta de humanidade de pessoas despreparadas e até mesmo desumanas. Independente se estão em uma capital ou em um pequeno município. Independente do Estado da federação em que vivem.

Eu aplicava quatro ampolas mensais -  no auge da minha crise encontrei, na enfermaria onde estava internado, cuidando de minhas dores, um "sortudo e bem relacionado" senhor aplicando sete daquelas ampolas que para todos os outros mero mortais estavam desaparecidas do mercado! 

Digamos que, mesmo no meio da pior seca, alguns privilegiados conseguem o que precisam na sua "delicatessen", no seu "duty free" particular. 

 Eu, aplicando as "células de coelho". Antes do meu 
fator de cura anti-roedores fofinhos entrar em ação.



A ausência desse medicamento me fez cair na maior crise inflamatória que havia tido até então, que descambou na minha aposentadoria e em uma série de problemas pessoais, econômicos e profissionais. E o pior: quando finalmente foi-me fornecido, eu havia desenvolvido ANTICORPOS contra o medicamento. 

Entendem o tamanho da encrenca? Pois é. 

Os "burrocratas" não querem saber se a falta do medicamento está te enlouquecendo de dor, te incapacitando aos poucos, se dentro do seu corpo está acontecendo uma "revolução autoimune" contra qualquer composto que possa te deixar melhor. 

Eles querem apenas saber o dia em que vão entrar em férias e da melhor maneira de despachar logo aquele povo chorão que os impedem de vencer no jogo da paciência ou de xeretar se a gostosa que trabalha no terceiro andar colocou mais fotos de biquíni em seu álbum do Orkut.

Não é preciso fazer um grande exercício de imaginação pra transferir essa situação pra realidade de pessoas pra quem o medicamento é garantia de uma sobrevida; pra comprovar que o descaso e a incompetência de uns assassina aos poucos muitas gente!

E isso acontece em todos os níveis. Se não mata, atrapalha viver.

Há pouco tempo estava lendo a reclamação de uma amiga - a Ana Paula Costa, que queria fazer valer o seu direito - garantido por lei para portadores de doenças graves - de poder adquirir um carro com isenção de impostos. Os "peritos" do Detran não consideraram sua deficiência "tão grave assim". 

Vejam bem: estes peritos são funcionários do mesmo Governo que deu à ela uma carteira de livre acesso por ser portadora de "grave deficiência". Mas a ironia maior ainda não está aí.

Pouco tempo depois ela foi renovar sua carteira de motorista. E foi "REPROVADA POR TER ESPONDILITE ANQUILOSANTE E SER PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS"! 

A médica do Detran, de outro departamento, ainda foi muito gentil ao "informá-la" de que deveria passar pela perícia específica para conseguir a sua carteira e também - que felicidade - ter direito à isenção de impostos para adquirir um veículo zero km. 

Percebem como "funciona" a BURROCRACIA? 

Enquanto isso, ela segue sem dirigir, com a habilitação vencida. 

Ao mesmo tempo, milhares de pessoas que SE DIZEM taxistas conseguem essa mesma isenção de impostos em todo o país sem exigências exageradas, comprovações mega detalhadas e sem qualquer fiscalização posterior.

Sem falar nos "titicas de galinha". Acho que esse termo foi cunhado pelo Stephen Ambrose pra falar sobre personagens da segunda guerra mundial. Mas vou pegar emprestado. É o pior tipo de burrocrata. Aquele tipo de cara que se atém às minúcias, às coisas pequenas, às titicas de galinha. Apenas pra se sentir O todo-poderoso e infernizar um pouco mais a sua vida.

Quantos de nós não encontramos problemas porque a legislação mais antiga traz a denominação de ESPONDILOARTROSE enquanto muitos médicos utilizam a terminologia mais moderna ESPONDILITE em seus laudos e relatórios? E daí se o CID é o mesmo? A PALAVRA, meus caros, a FORMA, isso é o que importa. Você que refaça todos os seus documentos e dê reentrada em tudo. 

E anda logo. 

Acho que a gostosa do terceiro andar voltou de férias de novo. 

E ela foi à praia!



3 comentários:

  1. Mônica Gonçalves Lantelme10 de janeiro de 2012 às 12:36

    Adorei o que vc escreveu! Resume muito bem o descaso de quem realmente deveria cuidar do nosso bem estar e facilitar a nossa vida. A sensação é que parece que estão fazendo caridade em nos fornecer algo que pagamos (com os nossos impostos!) e temos direito! Boa Xandão!!!

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  2. Eita, esse blog tá com bug. Juro que postei um comentário aqui ontem... dizia algo sobre vc descansar no sétimo dia...

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  3. Eu acho que vi esse comentário lá no Facebook.

    Aqui não apareceu, nem como spam, hehehe...

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