quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

VIOLÊNCIAS.




"Assaltaram a gramática
 Assassinaram a lógica...
...Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica"










Em 1984 os Paralamas do Sucesso lançaram aquela que muitas pessoas consideram a sua "obra prima". O LP O Passo do Lui trazia sucessos como Óculos, Meu Erro, Fui Eu, Romance Ideal, Me liga, Mensagem de Amor (que já foi tocada até pelo Andreas Kisser do Sepultura) e a música de autoria do Lulu Santos cujos versos do Waly Salomão eu colei ali em cima: Assaltaram a Gramática.

Que coisa! Em 1984 eles já reclamavam, meio em tom de brincadeira, da violência que sofria a nossa pobre Língua Portuguesa. No caso específico, nas mãos de poetas e poetisas (atualmente o termo poeta tem um uso unissex, mas eu sou uma espécie chata de "careta léxico"), que utilizavam-se da licença poética pra fazer suas artes. Mal sabiam eles...

Hoje, 28 anos depois, a coisa não é brincadeira. E pensar que há alguns anos nós debochávamos de quem falava "menas" e "pobrema"! Eu começo a achar que estes, juntos com a turma do "gerundismo", são os expoentes. Os gênios. Os futuros membros da Academia Brasileira de Letras. Porque a situação está feia, meus amigos. O que era arte virou vandalismo. 

Poxa. Todo mundo comete erros. O Português, cheio de regras e mistérios     indissolúveis não é uma língua fácil. 

Eu mesmo há pouco tempo cometi uma "reincarnação" que deve ter feito o Chico Xavier ter acessos de tosse lá no mundo espiritual. Ainda bem que a Bia Roedel, uma abençoada e autointitulada "escritora mirim" me corrigiu a tempo. Morri de vergonha. Que bom. Essa mancada, espero, não reencarna mais.

Erros como esse meu são aceitáveis. Envergonham. Mas passam. Ato falho. 


É o cérebro entrando em "tilt" e escrevendo como se fala. 


Ou são como aquelas dúvidas envolvendo crases e hífens, tratando de palavras com S ou Z, Ç ou SS. Tão pertinentes ao aprendizado, à forma, às regras gramaticais. Tão comuns e, de certa maneira, até perdoáveis. O tipo de dúvidas que transformaram o professor Pasquale em uma celebridade.

E como dói ler o que escrevem na internet! Poucos escapam. 

De pessoas normais, algumas até respeitáveis, à molecada; de "jornalistas" à "famosidades"; é um verdadeiro corredor polonês no meio do qual passa nossa maltratada gramática antes de ser postada na "nuvem", sem uma revisão sequer, sem preocupação, sem  vergonha alguma.

Flexões de número hoje só podem ser confundidas com exercício de academia:

- "vou ali fazer 20 minutos de esteira e depois umas 300 flexões de número".

Só pode.

Como, então, explicar "as coisa", "os menino", "os link", "os post". "Um chopps e dois pastel" deixou de ser piada com regionalismos! Estamos todos nos transformando naquele paulista caricato da feira!

E os "Ais"? Expressão perfeita da dor que sinto quando me deparo com eles.

Mas é mais. Faz é faiz. Traz é traiz.

E como fica o mais? Aquele, da soma? O mais é mais mesmo, ué. O incauto leitor precisa "apenas" ler o restante da frase e, com um pouco de sorte, vai conseguir captar a mensagem.

E as abreviações? Acho que um neurônio suicida-se de puro tédio a cada vez que um preguiçoso comete um abuso desses.

Como toda grande praga, começou pequena. Quase imperceptível. Eu estava lá. Eu vi tudo acontecer desde o começo...

- "você quer tc?", convidava aquela moça no ICQ. 

- "vc quer tc?", escreviam as pessoas nas primeiras salas de chat.

-"ké tc?", escrevem hoje...

De repente a internet virou uma versão tecnológica daquelas plaquinhas de beira de estrada que até seduziam os viajantes mais esfomeados: "Ké Keijo".

Não sei... o que seria de nós sem a recém adicionada ao alfabeto letra K? 

Se antes ela servia apenas para estrangeirismos ou pra criar aqueles nomes tão originais - Keirrison, por exemplo - hoje ela é fundamental.

Não sabe onde está?  Escreva "kd"?

Teve um acesso de riso? Mande uma das maravilhosas "gargalhadas de britadeira": "kkkkkkkk". 


Quanto mais K, mais engraçado. E mais parecido com um gago engasgado com uma palavra difícil ou com uma pessoa em acesso de epilepsia você soa também.

Se indignou? Escreva: "aki, ql eh q eh a tua, rapá!"


Moleque é "Mlk". Daqui a pouco, ao menos no tamanho da palavra, poderemos  confundir com molécula.

Quando não abreviam o que é imprescindível, acrescentam o que é desnecessário. Maldita preguiça do shift!

Por causa dela o "não" vira "naum". O "bão" vira "baum". De bom mesmo pouco se lê.

E os tempos verbais? Pai, perdoai-os, eles não têm a mínima noção do que escrevem!

Escrever é "escreve". Falar é "fala". Ligar é "liga". Passar é "passa". Descer é "desce".  Curtir é "curti". 

E por aí vai. 

A linguagem escrita é um meio codificado de se fazer entender, de se transmitir uma mensagem. O melhor deles. Evoluiu durante muito tempo pra chegar onde estamos.

Muita gente boa defende esse tipo de escrita na internet. Dizem que a net é um lugar pra "relaxar e se divertir", onde não devem se ater à regras tão rígidas. Até concordaria se não estivessem transferindo todos esses erros pras redações, pros sites de informação, para as placas e propagandas.

Chegamos ao ponto de haver uma "instrução oficial" proibindo os professores de corrigir esses erros grosseiros, sob a pena de ser "preconceito linguístico".
E como existem textos "libertários" denunciando esses abusos. Esse "bullying ortográfico". 

Eu sou um preconceituoso! Chicoteiem-me.

Já vi renomados gramáticos e escritores defendendo exatamente aquilo que eu repudio. Dizem que é uma mudança natural. Um processo de renovação da linguagem que acontece de tempos em tempos.

Eu não sei. Pra mim a velocidade dessa transformação é abusiva.

O que antes acontecia no decorrer de décadas ou séculos - do "vossa mercê" pro "vosmecê" e desse pro "você", hoje acontece em questão de dias. 

De horas. Basta um famosinho qualquer "twittar" a nova abreviatura. 

E um milhão de mímicos comportamentais o seguirão. 

Esse direcionamento é perigoso. Será que "evoluiremos" tanto que acabaremos fazendo rabiscos como os que encontramos nas cavernas?

Começo a escrever e quando percebo, lá se vão quase mil palavras. 


E o "manual do blogueiro em busca do sucesso" manda escrever pouco. Sou mesmo um desobediente. 


Quem sabe vocês não continuam esse texto pra mim, citando exemplos nos comentários ou nos posts das comunidades de relacionamento?

As respostas pros meus questionamentos ainda estão sendo escritas. Onde vamos parar é uma incógnita e um exercício de imaginação.

Mas naum é por iço ke eu vo te menas procupaçaum com esses pobrema.







12 comentários:

  1. Mônica Gonçalves Lantelme13 de janeiro de 2012 às 11:25

    Falou tudo!!!!

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  2. É, filho, a coisa está tão feia que o próprio Ministério da Educação patrocina livro didático com erros crassos de concordância e de tempo verbal... e o pior que o Ministro da pasta tem a desfaçatez de vir a público para defender essa monstruosidade, sob a alegação de que deve-se prestigiar a forma coloquial da nossa língua. Se assim for, eu defendo a caipirização da língua escrita: donkotô, num óio nadi mais mió di bão ki iscrevê comu si fala prá modi tudomun intendê!

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  3. Rapaiz, mesmo mudando de açuntu vc me traiz um monte de recordações. Meu, tilt me fez lembrar de: Eu sou o Cavaleiro Negro, à procura de um desafiiiio. Nossa e o ICQ então (lembra do Uhuu que fazia qdo alguém queria tc c/ vc?). Às vezes eu brinco numa comunidade do Orkut dos anos 80 que tem um monte de saudosistas mas do ICQ fazia muito tempo que não ouvia falar. Sempre fui apaixonado por comunicação, na adolescência passava as madrugadas dependurado num rádio PX falando com os 4 cantos do mundo. Valeu, abraço. Ah, lembrei de uma coisa: aquele maluco do Prince que trocou o nome por um símbolo por uns tempos mas acabou voltando atrás.

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    1. Paulo, eu sou da época do MiRC. Idade da pedra da internet no Brasil.
      Agora esse pinball aí, do Cavaleiro Negro, é lembrança forte. Quanta grana a gente gastava nessas máquinas!
      Também participei da comunidade Anos 80 no Orkut, mas a coisa lá é muito caótica, acabei saindo pra uma das tantas "dissidências".

      Quanto ao Prince... ele compôs Purple Rain. Pode se dar ao luxo dessas loucuras todas.

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  4. Ah, a sua onomatopéia de risada é bem mais conservadora que o kkkkk, hehehehe!

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  5. Excelente texto Alexandre.Nossa lingua é muito complexa.São tantas variações linguísticas, concordâncias verbais, regras, que sempre têm suas exceções.Sempre acabamos escorregando em alguma coisa, não tem jeito.Mas podemos tratá-la com um pouco mais de carinho.

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    1. Muito obrigado, Dora.

      É bem por aí mesmo. Deveríamos tratar melhor nossa língua, nossa música, nossas manifestações culturais, nossos livros. Mas o outro caminho é mais "fácil".

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  6. Oi, Xandão!
    Amei o texto! Realmente procuro, ao máximo, escrever corretamente. Posso "escorregar"? Sim, como todos podemos (e espero que haja um mestre, neste momento, disposto a me corrigir). Mas, sinceramente, com tantas ferramentas à disposição, será que custa muito abrir uma nova janela e consultar a grafia correta? Faço isso sempre que tenho dúvidas (e não são poucas as vezes).

    Você perguntou sobre exemplos. Um, em particular, me dói. Uma "amiga" de uma rede social que diariamente vive a vangloriar-se do MBA que está cursando. Bacana cursar um MBA, claro. Estudar sempre é ótimo. Mas, por favor, não deveria ela então cuidar um pouquinho mais da sua imagem através da escrita? Vamos aos exemplos: "Momentos que deverião", "frazes", entre muitos outros. Acentuações e vírgulas são desnecessárias mesmo?

    Devemos, sim, ser cautelosos em redes sociais principalmente. Podemos brincar, mas estamos em constante observação. Pode ser de um amigo ou de um futuro empregador. E ambos merecem respeito.

    Bjs

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    1. Verdade, Marcela.

      Muita gente se preocupa com os "títulos" e esquece de desenvolver todo o resto da estória.

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