quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

CURANDEIROS, XAMÃS e PROFETAS.

(Esse post também surgiu de uma sugestão da Emiliana Britto).


O famoso "homem da cobra". Esse aí vende pomadas milagrosas pra dor.



Se tem uma coisa que o doente crônico ODEIA é o sabe-tudo. Sabe aquele cara que sempre conhece alguém que teve "o mesmo problema que você, só que bem pior", mas que se "curou" da coisa, geralmente com alguma receita ridícula? Pois é. Esse tipo.

Isso acontece demais. É claro, a primeira reação é sempre a mesma:

- O que você tem?
- Uma doença degenerativa de fundo reumático.
- Tá. Mas me diz o nome.
- Espondilite Anquilosante.
- O quê? (olhos arregalados e expressão de figura de presépio).
- Espondilite Anquilosante é o nome.
- Ah! Tá. Sei como é. O vizinho da minha tia avó teve isso também, sofria como um condenado, teve até que operar! Ainda bem que ele tomou borra de café Jacu misturada com água benta da missa do galo e sal. Tá curadinho. Você devia tentar...

Imagina! A figura nunca tinha escutado o nome da doença e, de repente, já é íntima de vários pacientes e, o melhor - conhece A CURA! Aleluia!

É óbvio que eu estou exagerando um pouco, a maior parte das pessoas fica apenas com a expressão de figura de presépio mesmo. E um olhar de  "ô dó".

Mesmo assim, o "sabe tudo" existe. Assim como os "xamãs". São aqueles sanguessugas que aparecem no PIOR da sua crise, querendo te vender a saúde perfeita em forma de água imantada, gotas milagrosas ou cultos de cura imediata.

Em uma das piores crises que eu já tive - em 2007, a que me fez aposentar - a PRIMEIRA visita que eu recebi foi a de um "amigo". Amigo - colega, sabem como é? Aquele cara com quem você tem contato ocasional, geralmente em festas ou botecos.


Pois bem, eu há duas semanas sem andar, dor insuportável, nenhum medicamento adiantando, dormindo na base de opiácios e, como acontece muito, sem receber visitas. Eis que aparece o cara na porta de casa. Confesso que me emocionou... nem os meus melhores amigos haviam aparecido! Até abracei o desgraçado. Que, sem graça, já foi tirando a famigerada garrafa azul imantada de uma pasta, acompanhada de um DVD muito didático, a cura por uma "módica quantia". E eu nem precisaria tomar mais remédio! 



Até hoje não sei que tipo de lavagem cerebral fizeram no camarada, mas ele parecia mesmo acreditar nas besteiras que falava. De quebra, ainda ofereceu um "emprego" de vendedora de garrafas azuis pra Fabi (minha esposa), que tinha saído do emprego há pouco tempo. Pacote completo.

Lado a lado com os xamãs, estão os que chamo de "curandeiros". (O significado é quase o mesmo, eu sei, mas é legal classificar os tipos, pra evitar confusão).

O "curandeiro" geralmente é um parente. A intenção geralmente não visa lucro, chega até a ser uma preocupação genuína. É aquele que vem te fazer uma visita e aproveita pra trazer o chá amargo da tia fulana, a garrafada do homem da cobra ou a simpatia poderosa que assistiu na Ana Maria Braga, geralmente envolvendo dar pulinhos (e você nem consegue se levantar) e vestir alguma roupa íntima ridiculamente colorida.

Mas, de longe, os piores vampiros são os profetas. Isso independe de religião - mau caráter é qualidade negativa humana, deveras humana - e eles estão por toda parte. 

Quando você está desesperado é pior. Porque, em sua fragilidade emocional e intelectual, vira presa fácil. O "profeta" é o detentor da cura, o portador dos mistérios, da técnica e da sabedoria milenar que vai te deixar novinho em folha.

Já me sujeitei a um banho de ervas administrado por um pai de santo de sexualidade bem duvidosa (queria me curar pelo toque, será?) só pra ficar sabendo que minha espondilite era resultado de uma mandinga de ex-namorada, que escreveu meu nome ao contrário em pele de cobra. (Putz, imaginem aquelas patricinhas todas pegando a pele da cobra com a pontinha dos dedos e fazendo cara de nojinho?).

Já caí nas mãos de um "quiropático alternativo doidão" que - DEUS EXISTE - não sei como não me matou manipulando os ossos emendados da minha cervical.

Já me espetei inteiro em sessões de eletroacupuntura (não basta a agulhada, o choque é essencial) de um chinês com longos bigodes que parecia vilão de filme antigo, que ainda me colocou em uma máquina de tração (!) que, juro, deve ter saído direto da imaginação de algum Inquisidor Dominicano, dos mais sádicos.

Pra descobrir que meu problema era "uma perna maior que a outra né!" (adicionar sotaque do Senhor Myiagi) e que deveria usar um calço mega desconfortável por umas semanas... meus irmãos de doença podem atestar: perna maior que a outra é o cerne de TODO problema de coluna que existe.

Já dividi garrafa de 51 com o Exu Malé, bebi Martini do copo da Pombagira e fui alvo de uma energiização extraterrena; já fui "descapetizado" duas vezes por pastores bem incompetentes... o danado do diabo não quer sair, pelo visto. 

Lembrando disso tudo, eu hoje dou risada. Como somos tolos e frágeis, sugestionáveis até, em nosso desespero! um certo ceticismo, uma certa desconfiança, essa herança todo doente crônico tem. Aposto. Porque já fomos usados demais!

É claro que, na minha vivência eu encontrei bons profissionais e religiosos (de todas as crenças) realmente interessados e caridosos, me deparei com gente boa, capacitada e ética. Quer tenha funcionado, quer não, esse povo não rende piada. 

Rendem sim, muitas preces, um agradecimento eterno e a crença inegável na capacidade humana, no pensamento positivo, na força de vontade e na fé.


12 comentários:

  1. NO meu caso é o seguinte: fisicamente a inveterada não dá sinal e tenho que conviver com as desconfianças das pessoas "cê tá duenti... nossa neim pareci... levanta vai fazer alguma coisa, isso pode cê piiisiiicologico".rsrs. Ótima iniciatiava.

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  2. Valeu, Léo!
    Resolvi - incentivado pelo pessoal do grupo virtual de espondilíticos - escrever sobre minhas "desventuras".

    Aliás, na última vez que nos encontramos pessoalmente antes do reencontro no Jack Rock Bar eu estava voltando do tal "chinês torturador".

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  3. Lu, isso acontece demais com alguns de nós também, irmão!
    Basta o camarada melhorar um pouco, dar uma aprumada, e aparecem os questionamentos!

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  4. Perfeito esse post! Parece que foi feito para mim! kkkkkk! Boa sugestão da Emily. Beijos, Karinna

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  5. Cara, me vejo em várias passagens, o eletrochoque o osteopata caríssimo por indicação do ortopedista mercenário, que devia levar uma comissão pois era o dono da clínica e quase saiu no braço comigo quando questionei o tratamento e disse que não tinha condições de bancar a coisa por muito tempo, até os amigos achando que sou muito mole (eu até gostaria de ser rs) e por isso não consigo o mesmo desempenho deles na bicicleta ou no squash, mesmo eles tendo, no mínimo uma década a mais que eu... e por aí vai... Xandão, já sou assíduo leitor do seu Blog. Parabéns! Abraço.

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  6. Obrigado, Paulo!
    É engraçado quando a gente se reconhece na estória do outro. No final das contas, todo mundo acaba vivenciando as mesmas experiências, né!

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  7. Ah, esqueci de comentar que você escreve muito bem e pode alçar voos mais altos.
    Abraço.

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  8. Herança maldita essa que este velho leão te deixou! Xandão, gostei demais do seu senso de humor ao tratar dessa doença que temos. Gostei demais e serei seguidor!

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  9. Essa "herança" é só um detalhe.

    Se colocar a educação, os livros, os filmes, as músicas, as viagens, o carinho e as lições de vida nesse inventário, a espondilite acaba sendo trocado, pai.

    E, como pode ler, lido super bem com esse troço.

    Feliz que tenha gostado.
    Só não vale me desmentir, hein!

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  10. Marcela Magaraia Zanin6 de janeiro de 2012 às 20:22

    O texto é mesmo fantástico e, concordo plenamente, você pode e deve mesmo alcançar vôos mais altos, como disse o Paulo de Tarso.

    Me emocionei com seu último comentário. Muito.

    Beijos

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  11. Que bacana, deu até saudades do meu pai também. Às vezes gostaria de ter um telefone que pudesse usar pra fazer uma ligação pro além e falar com ele um pouco...

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