domingo, 8 de janeiro de 2012

DIAS RUDES.




Hoje me deu uma vontade tremenda de mudar o assunto. Fruto de um bloqueio criativo que, quem sabe, vai acabar sendo positivo. Estava mesmo querendo ampliar a temática desse blog. Afinal, vivência é vivência. Na pior das hipóteses, vocês vão ficar conhecendo um pouco mais a minha estória.

Há muitos e muitos anos, em uma galáxia distante, esse que vos escreve era músico. Alguns incautos ainda insistem em dizer que eu SOU músico, mas acho que na época eu era mais. Vivia pra isso. A espondilite ainda era uma realidade inimaginável, apesar de que o final do sonho coincidiu com as primeiras manifestações da doença.

Mas não estou aqui pra falar de coisas tristes, do término de grandes amores ou do início de grandes dificuldades. Esses, todos nós inevitavelmente vivemos, e com certeza vão acabar sendo temas futuros.

Entre 1997 e 1999 fui vocalista de uma banda de Ska que obteve relativo sucesso de público e crítica aqui no Brasil. O Ska, pra quem não conhece, é uma espécie de reggae agitado, apesar de ser predecessor desse estilo. Quer saber como soa, procura aí no youtube as músicas Ska e Fui Eu do Paralamas do Sucesso. Ou digita Mr. Rude lá e fica conhecendo algumas das músicas da minha saudosa banda.

Pois é, pessoal, anos luz antes de ficar gordo e careca, eu dava autógrafos (uma meia dúzia), recebia cartas de fãs (todas as 5) e estrelava videoclipe no Top 20 da MTV (vigésima posição durante 3 dias). Já tocamos pra mais de 10 mil pessoas e já amargamos shows com mais músicos no palco que pagantes na platéia. Fomos ilustres desconhecidos nos bares de BH e as menores grandes atrações em shows de SP.

E, é claro, vivemos um milhão de estórias malucas na estrada, socados em dois carros pequenos, o mais saudoso deles um Fiat Premio que só andava no cheiro de gasolina, carinhosamente apelidado de Toscomóvel.

Como certa vez que fomos convidados pra abrir o Show do J.Quest (antes do processo judicial movido pela Hanna Barbera que os fez mudar de nome pra JOTA Quest).

Não sei quem era mais amador ali. Nós, iniciantes nesse jogo de grandes públicos (acho que eram umas 20 mil pessoas, Feira da Paz de Lagoa Santa, se não me engano) ou a produção do evento. Fato é que, ao nos receber, nos colocaram no camarim da banda principal. Imaginem a cena: 9 músicos (sim, as bandas de ska são imensas) pés-rapados jogados no "paraíso" boca livre dos rock stars. Whisky importado! Mesa de frutas! Um freezer cheio de cerveja geladinha! 

A última coisa que me lembro era todo mundo "saindo pela esquerda", enquanto o road manager dos caras DETONAVA a produção do show... poxa, só porque as estrelas da noite se depararam com um camarim pós aquilo que posso chamar de "mix de tornado com nuvem de gafanhotos". Acho que até roer os pés da mesa teve um que roeu. Não sobrou NADA.  

Demos o fora mesmo, só reaparecemos no final do show deles, fazendo cara de paisagem e fingindo que não era com a gente. E, é claro, no processo, ainda demos uns autógrafos na cidade, em nome deles. Aposto que até hoje tem gente tentando imaginar quem é o Xandão do J. Quest...

Em BH éramos habitués do TEXAS CAFÉ, de propriedade de um Francês malucão (saudoso Bernard), doido pela banda a ponto de espremer os nove em um palco onde mal cabiam 4. Uma espécie de "banda da casa". E mais da metade do cachê era descontada pra pagar a conta, é claro. Como esse povo bebia! Eu não. Eu era quase um santo.

Certo dia nos convidaram pra um MEGA evento. Festival de Reggae em Moeda!
Grandes nomes: Tribo de Jah, Nativus (que se tornaria a banda Natiruts), Edson Gomes... enfim, um Woodstock RASTAFARI!

A Mr. Rude só se apresentava de terno. Nos trinques mesmo. Descer aquele pasto enorme do "Bar tudo bem", entre milhares de pessoas com dreadlocks e tranças, trajados como quem vai pra um casamento nem foi a coisa mais estranha da noite. Antes do show, na van, já havíamos sentido o espirito da coisa quando um "carona" rasta doidaço perguntou pro nosso Saxofonista tenor - o grande Bernardo Fabris - o que ele passava nos braços:

- Repelente pra mosquitos (foi a resposta, em tom "aristocrático")
- Ah, tá. Me empresta? 
- Claro.

O cara esvaziou o frasco de AUTAN nos sovacos! Juro! Mais tarde ainda o vi tentando trocar um colarzinho colorido pela entrada do festival.

No meio do show, eu não conseguia enxergar o público. O cara da iluminação devia estar maluco em gastar de uma vez todo o líquido da smoke machine. Reclamei com o Elias Kfoury, baixista, grande amigo e um dos meus ídolos até hoje: 

- esse camarada tá maluco, nem vai dar pra ver a banda.

e o Elias retrucou:

- cara, não é ele. Olha direito.

Vocês acreditam que aquela fumaça toda, aquele fog de espantar londrino, era apenas fruto de uma mudança na direção do vento? Aquela galera realmente estava fumando demais! Contato íntimo com Jah!

Pra finalizar com chave de ouro, depois de nós tocaria a Tribo de Jah. Pra quem não sabe, eles são todos cegos ou com enorme déficit visual. O palco dos caras é milimetricamente calculado, microfone a tantos passos, bateria em tal posição, nenhum cabo cruzando o palco fora do lugar predeterminado...  acontece que nos avisaram disso tarde demais. Desculpa aí, pessoal, pelos tropeções no começo do show.

São muitas as roubadas e estórias.

Tocamos em um concurso de Miss, "Garota Colegial" ou algo assim, em um prenúncio do que viriam a ser os mega desfiles da Victoria Secret's e onde o apresentador insistia em nos anunciar como MISTER RÚ. "Cantando e Encantando o Brasil".

No final das contas, a banda terminou "às portas" de um contrato com um grande gravadora e cada um foi pro seu lado, felizmente reencontrei a maioria deles. Parece coisa do filme "The Commitments" do Alan Parker. 

No final da banda eu já fazia show à base de morfina e sofria nas mãos do chinês de  bigodinho comprido. A dor e a decepção me deixaram uns anos sem querer saber de música. Até o dia em que comprei um violão e o bichinho me mordeu de novo, e, no processo, me ajudou a melhorar, como espondilítico e como pessoa. Corpo e alma.

6 comentários:

  1. Bacana Xandão e, de certa forma, mais uma coincidência: por 21 anos tive a concessão das lanchonetes de um clube e cansei de servir camarim. Eu me vi ali correndo pra providenciar um tapa buraco pra devastação que vcs fizeram no camarim dos caras rs

    ResponderExcluir
  2. Existe uma estória aqui em Minas, Paulo: dois mineiros se encontram em qualquer lugar do mundo, começam a conversar pela primeira vez e logo descobrem que são parentes.

    Acho que no final isso acaba se estendendo pra todos. a vida é movida a coincidências.

    ResponderExcluir
  3. Ale... eu tenho quase tanta saudade do "Mister Ru" quanto tenho de voce :) Sera que ja estamos velhos o bastante pra dizer "bons tempos"?

    ResponderExcluir
  4. Oi, Carla!
    (ou seria melhor dizer Skarlinha?).
    Sei lá... eu acho que tempo bom mesmo é o que vivemos. Por mais que seja menos "emocionante", ou mais "duro".
    É mal dessa minha eterna positividade.
    Viver é sempre bom. Depois bate aquela saudade gostosa, boa de rememorar e útil pra valorizar nossas cabelos brancos, nossas rugas e cicatrizes e, acima de tudo, as amizades que atravessam tempo e distância, como a sua.

    Saudades DEMAIS de você. De nós todos juntos.
    Vamos resolver isso assim que der.

    ResponderExcluir
  5. Meu amigo, tô conhecendo isso aqui hoje, e tô numa mistura de choro com risada que é uma coisa deliciosa. Obrigado por isso! Revivi altos momentos aqui

    ResponderExcluir