domingo, 15 de janeiro de 2012


ESCOLHAS...





Quando eu era menino pequeno lá em Belzonte, por volta dos 4 anos de idade, estudava em uma pré-escolinha no meu bairro chamada Instituto Maria Amália. Hoje eu não tenho a menor ideia de quem era a tal Maria Amália e a escolinha virou uma academia de natação, que demoliram pra construir um prédio enorme. Além do amor pelas estórias e pelos livros - já em 1976, ainda sendo alfabetizado, tinha contato direto com os livros e as estorinhas em pequenos discos - os meus favoritos eram os da coleção "disquinho" e os do Coelho Ronaldo (acho que colecionadores ainda se digladiam nos sites por um desses em bom estado), esse período me legou lembranças inesquecíveis.

Eu me lembro muito da Tia Marilda, da canção que cantávamos ao fazer aquela "fila-trenzinho" para subir até as salas e, é claro, daquela que veio a ser minha primeira GRANDE vergonha. 

Imaginem a cena: carnaval. Todas as crianças fantasiadas e soltas no pátio da escolinha (que era aberto pra rua, cercado apenas por uma grade azul). Os pais ao redor, lotando a calçada, "babando" os pequenos foliões. E eu era um dos mais animados. É claro. Estreava a minha fantasia de BATMAN! Não era esse Batman "cool", meio ninja, meio morcego, de chifres pontudos e língua presa que conhecemos hoje. 

Mas aquele Batman das onomatopeias (pow! bam! crash!), o maior sucesso na TV, apesar da barriguinha e do ajudante meio "suspeito". Pois bem, lá pelas tantas, eu curtindo o melhor carnaval de minha vida até então, percebo que sou o centro das atenções. Grande Batman! Todos me apontando, aplaudindo, dando risadas. Até que começou aquele coro: batgirl! batgirl! Hã!? 

Acontece que, em meio àquela empolgação de mestre sala, não percebi que a minha capa havia se desamarrado e caído. Enfim, eu, que aos 4 anos de idade já imaginava estar exalando testosterona e fazendo a bandidagem tremer, estava na verdade desfilando pelo salão dentro de um collant cinza com um morcego amarelo no peito... antes tivessem me vestido de Robin, pô. Até hoje não gosto de carnaval!

Anos mais tarde - 1983 - eu estava acampando em Furnas com meu pai, que foi quem incutiu em mim esse bendito vírus incurável de conhecer cachoeiras e represas, de viajar sempre em contato com a natureza. 

O Camping era imenso, cheio de atividades, parece que, ao menos naquele começo dos anos 80, acampar era a nova mania nacional. E, talvez ainda uma herança do final da década passada, os concursos de dança também. Nenhuma surpresa, até eu descobrir que meu pai havia me inscrito em um desses concursos. Putz! Eu nem tinha me recuperado daquele carnaval 7 anos atrás!

Não. Não vou escrever aqui que entrei no salão e arrasei, um pequeno Michael Jackson branco (na época ele ainda era negro) hipnotizando a multidão com seu talento e criatividade. Na verdade, criatividade eu devo ter tido, sim. Minha apresentação pode ser mais ou menos descrita como "Elvis Presley bêbado com epilepsia". Ao som de Mr. Roboto do Styx! Nem Salvador Dali conseguiria ser tão surrealista. Resultado: desde então, nunca mais dancei sozinho em um salão. Pode ser uma danceteria lotada. Não dá.

Já contei aqui no Blog a minha desventura com a colonoscopia. 

Há alguns meses enfrentei uma terrível situação, fiquei tetraplégico por quase 40 dias, tive que passar por uma série de exames, muitos deles imensamente doloridos e desconfortáveis, culminando em uma punção da medula espinhal, que, se normalmente já era desagradável, se transformou em um verdadeiro pesadelo dada a pequena distância entre as minhas vértebras de espondilítico, quase completamente unidas no que chamam "coluna em bambu". 

Foram duas tentativas muito dolorosas e cansativas,  de quase cinquenta minutos cada uma, pra um procedimento que, normalmente, não levaria dez. Os neurologistas já estavam desistindo pela segunda vez e estudando a possibilidade de sedação e mesa cirúrgica quando, como por milagre, a agulha penetrou minha medula e puderam colher o líquor. 

Você, que está lendo o texto agora, deve estar se perguntando: mas que DIABOS ele está escrevendo? Afinal, o que tem a ver aquelas lembranças de infância do começo do texto com esses exames descritos agora? 

Pois eu respondo. Tudo a ver. E nada a ver.

Tudo a ver, porque quando nós adoecemos e a coisa é mais séria ou grave, ficamos como que crianças se deparando pela primeira vez com alguma coisa que nunca haviam feito. Ficamos medrosos. E, muitas vezes, quando a coisa é desagradável - como aqueles exames - nunca mais queremos repetir. Ficamos traumatizados, preferimos "morrer" a passar por isso de novo. Enfim: fazemos birra. 

E nada a ver porque não se trata aqui de uma experiência ruim com alguma coisa de pouca utilidade prática. Trata-se de dar continuidade a nossa estória, às nossas vivências, sejam boas ou más. 

As duas primeiras situações foram sim, de certa maneira, desagradáveis, traumatizantes até, se eu quiser exagerar. Mas serviram pra definir a minha personalidade. E, cá entre nós, não me tornei uma pessoa menos feliz ou menos "experiente" apenas por não dançar e não gostar de pular carnaval. 

Mas a outra situação é bem mais séria. 

Toda hora me deparo com comentários do tipo: "não faço esse exame nem morto". "Prefiro morrer a ficar em um hospital, ou consultar um médico"... como as pessoas às vezes são infantis, fatalistas e - desculpe a palavra - ignorantes - quando se trata da própria saúde!

Se negar - por medo ou preconceito - a fazer uma coisa da qual pode depender sua vida, a meu ver, é uma espécie de suicídio. 

É não valorizar o maior presente que ganhamos. É desafiar a sorte pra depois jogar a culpa em Deus, no destino ou apenas se dizer azarado. É fazer sofrer de impotência aqueles que nos amam.

Por isso, se você se reconheceu nesses que eu critiquei, da próxima vez que tiver que fazer um exame dolorido ou desagradável, lembre-se de como você era forte quando criança, e fazia aquilo que desconhecia pelo valor da experiência, pela novidade, ou até mesmo pra deixar o seu pai alegre.

Pense em quem você ama. Pense em como a vida, apesar de tudo, é boa. Pense em como as coisas ruins, por mais que se estendam, também passam, que muitas vezes o que é desconfortável agora pode ser fator determinante para uma vida bem melhor mais tarde. 

Pense nisso. Pra que você possa dizer sim ou não às coisas menores. Escolher se vai dançar ou não, e com quem. Ou se vai curtir o carnaval fantasiado de Batman, de Robin, de Pinguim, de Capeta ou de Jack Sparrow gordo e careca.

A escolha é sempre sua.

6 comentários:

  1. Verdadeiro!
    A vida é feita de escolhas, e temos por obrigação optar sempre pelas melhores. Adorei o texto!!! Bj.

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  2. Mônica Gonçalves Lantelme15 de janeiro de 2012 às 21:53

    É dolorido, mas é verdadeiro! Mais um texto certeiro! Parabéns!!!

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  3. Essa da batgirl vc nunca contou para nós, agora a da colonoscopia! (Thiagão Poços de Caldas)

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    1. Hahahah!

      Ei Thiagão, bom demais te ler aqui, meu velho.
      Então... a da colonoscopia é da época do "Bronx" né!
      Virou lenda.

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    2. Lenda Urbana, assim como tudo no "Bronx". Rs (Thiagão)

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  4. ai ai ai... tá bom, primo... eu vou fazer minha eletroneuromiografia!
    Sofro, mas terei meu pé de volta!!

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